Entenda o IRR 149 do TST sobre prorrogação de jornada em ambiente insalubre, a aplicação do Tema 1046 do STF e o atual cenário dividido das Turmas.
A prorrogação da jornada em ambiente insalubre virou um daqueles temas em que cada Turma do TST parece jogar com um regulamento próprio. De um lado, decisões que aplicam o Tema 1046 do STF e validam a norma coletiva. De outro, decisões que continuam exigindo a licença prévia da autoridade competente, com base no art. 60 da CLT e na proteção à saúde do trabalhador.
O IRR 149 foi afetado exatamente para enfrentar esse conflito: até onde vai o “negociado sobre o legislado” quando a discussão é jornada em ambiente insalubre?
Se você, como advogado trabalhista, já está vendendo ao cliente que “o Tema 1046 resolveu tudo”, provavelmente está simplificando demais um cenário que ainda está em construção.
O que é o IRR 149 do TST e por que ele importa
O Tema 149 dos Recursos de Revista Repetitivos do TST trata da validade de cláusula de norma coletiva que autoriza a prorrogação da jornada em atividade insalubre sem licença prévia da autoridade competente, à luz da tese do STF no Tema 1046 da repercussão geral.
Segundo o ato de afetação do TST, estão em debate, em síntese:
Se é válida norma coletiva que autoriza prorrogação de jornada em ambiente insalubre sem licença prévia, considerando o Tema 1046.
Se essa validade alcança períodos anteriores à vigência do art. 611-A, XIII, da CLT (Lei 13.467/2017).
Se é necessária previsão expressa na norma coletiva de que:
a cláusula se aplica a trabalhadores em ambiente insalubre; e
há dispensa da licença prévia da autoridade competente.
O status, até o momento, é de tema afetado, com o incidente tramitando a partir do processo piloto 0010225-49.2020.5.03.0041, sem publicação de tese definitiva.
Se você trata isso como “capítulo encerrado”, está se colocando em posição reativa no exato momento em que deveria estar ajustando teses e peças para o que vier.
Tema 1046 do STF: a moldura do “negociado sobre o legislado”
No Tema 1046, julgado no ARE 1.121.633, o STF afirmou a constitucionalidade de acordos e convenções coletivas que limitam ou afastam direitos trabalhistas infraconstitucionais, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis.
Isso significa, em resumo:
A negociação coletiva pode restringir ou modular direitos previstos em lei ordinária;
Não há exigência de detalhar vantagens compensatórias na própria cláusula;
Mas deve ser preservado um patamar civilizatório mínimo e o núcleo essencial de proteção constitucional ao trabalhador.
O IRR 149 coloca na mesa justamente a pergunta que muitos evitam formular de forma frontal:
A prorrogação de jornada em ambiente insalubre sem licença prévia é apenas matéria “negociável” ou mexe com direitos absolutamente indisponíveis ligados à saúde e segurança?
Se você usa o Tema 1046 como “mantra” em contestação ou memoriais, sem enquadrar o caso concreto nessa distinção, está deixando uma brecha argumentativa importante.
Base normativa: art. 60, art. 611-A da CLT e a Súmula 85
Para estruturar a tese, é fundamental organizar o tripé normativo:
Art. 60 da CLT
O art. 60 da CLT estabelece que nas atividades consideradas insalubres, qualquer prorrogação da jornada depende de licença prévia da autoridade competente em matéria de higiene do trabalho.
Em termos práticos: a regra, historicamente, sempre foi de forte tutela da saúde, com a Administração Pública funcionando como “filtro” para qualquer aumento de exposição.
Art. 611-A, XIII, da CLT
Com a Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017), o art. 611-A, XIII, da CLT passou a prever expressamente que convenções e acordos coletivos podem tratar da prorrogação de jornada em ambientes insalubres, sem licença prévia das autoridades competentes.
Aqui mora o conflito:
De um lado, a regra tradicional do art. 60;
De outro, uma abertura legislativa explícita para negociação coletiva dispensar a licença.
Súmula 85 do TST
A Súmula 85 do TST, ao tratar de compensação de jornada, também tangencia a discussão ao mencionar a necessidade de observância da legislação sobre insalubridade, especialmente no período pré-Reforma.
Em vários acórdãos recentes, o TST vem articulando Súmula 85, art. 60 e art. 611-A, XIII, justamente para definir quando a compensação ou banco de horas em atividade insalubre é ou não válido.
Se, na sua petição, você ignora esse conjunto e escolhe apenas a norma que “te favorece”, o julgador percebe que a construção está incompleta.
Como as Turmas do TST têm decidido sobre jornada insalubre e norma coletiva
A jurisprudência recente do TST revela dois grandes blocos de entendimento sobre o tema, o que explica a necessidade do IRR 149.
Turmas que validam a prorrogação com base no Tema 1046 e art. 611-A
Parte das Turmas vem reconhecendo a validade de cláusulas coletivas que:
autorizam prorrogação de jornada em atividade insalubre,
mediante negociação coletiva,
sem licença prévia, com fundamento no art. 611-A, XIII, CLT e na tese do Tema 1046.
Nessa linha, os principais argumentos são:
A negociação coletiva é instrumento legítimo de adequação setorial negociada;
A ampliação de jornada não necessariamente viola o núcleo essencial da proteção à saúde, especialmente se houver contrapartidas (adicional, benefícios, estabilidade em programas específicos etc.);
O STF, ao julgar o Tema 1046, conferiu peso relevante à autonomia coletiva.
Se o seu caso cai em Turma alinhada com esse entendimento, insistir apenas na nulidade automática da cláusula coletiva tende a ser pouco eficaz.
Turmas que mantêm a exigência do art. 60 da CLT
Outro grupo de decisões do TST vem afastando cláusulas coletivas que prorrogam a jornada em ambiente insalubre sem licença da autoridade competente, com base em argumentos como:
O art. 60 teria natureza de norma de ordem pública, não disponível nem por negociação coletiva;
A ampliação da exposição a agentes insalubres compromete diretamente o direito fundamental à redução dos riscos inerentes ao trabalho (art. 7º, XXII, CF);
O Tema 1046 não autorizaria, de forma irrestrita, o afastamento de regras relacionadas à saúde e segurança.
Se, na sua linha de defesa ou de ataque, você finge que esse bloco de jurisprudência não existe, o julgador faz o trabalho de “buscar o outro lado” sozinho. E, quando ele faz isso sem você, normalmente você perde o controle da narrativa.
O que exatamente o IRR 149 deve responder
O IRR 149 foi desenhado para pacificar três perguntas centrais:
1. Norma coletiva pode dispensar, de fato, a licença prévia em ambiente insalubre?
O Tribunal Pleno terá de decidir se é constitucionalmente admissível:
que a norma coletiva dispense a licença prévia da autoridade competente;
ou se o art. 60 permanece como limite rígido, mesmo diante do art. 611-A, XIII e do Tema 1046.
É o coração do problema. Qualquer tese séria, para reclamante ou reclamada, precisa se posicionar aqui.
2. O entendimento valerá para períodos anteriores à Reforma Trabalhista?
Outro ponto é saber se, para períodos pré-Lei 13.467/2017, a negociação coletiva poderia, mesmo assim, validar a prorrogação de jornada em ambiente insalubre, com base apenas no Tema 1046 e na Constituição.
Para quem lida com passivo de longo prazo (indústria, frigoríficos, hospitais, mineração etc.), o impacto econômico disso é gigantesco.
3. É necessária previsão expressa sobre insalubridade e dispensa de licença?
O TST também deverá enfrentar se:
cláusulas genéricas sobre banco de horas ou compensação de jornada são suficientes;
ou se é obrigatório constar, de forma expressa:
que a cláusula se aplica a ambiente insalubre;
e que há dispensa da licença prévia.
Se a tese caminhar para exigir previsão expressa, muitas normas hoje em vigor podem se tornar inservíveis para fins de defesa.
Riscos práticos enquanto a tese não é fixada
Para empresas
Risco de condenação em horas extras: a depender da Turma, a cláusula coletiva pode ser declarada inválida, gerando pagamento de horas extras a partir da 7ª ou 8ª hora.
Insegurança sobre banco de horas e escalas: acordos e práticas consolidados ao longo de anos podem ser afastados.
Passivo retroativo elevado: especialmente em setores com alta concentração de atividades insalubres.
Para trabalhadores
Risco de retrocesso na proteção à saúde: se prevalecer a leitura mais ampla do Tema 1046, normas coletivas podem ampliar jornada insalubre com maior margem de aceitação judicial.
Possibilidade de improcedência de ações baseadas apenas no art. 60 da CLT, quando o processo cai em Turmas mais alinhadas ao negociado sobre o legislado.
Se você não está deixando esses riscos claros ao cliente (empregador ou trabalhador), está prometendo segurança onde hoje o cenário é, de fato, dividido.
Estratégias para o advogado de reclamante
Reforçar a natureza de direito absolutamente indisponível
A linha aqui é conectar a discussão diretamente com:
Art. 7º, XXII, da Constituição Federal (redução dos riscos inerentes ao trabalho);
A ideia de que ampliar jornada em ambiente insalubre não é mera questão patrimonial, mas aumento de exposição ao risco.
Quanto mais você conseguir mostrar, com laudos e provas, o impacto concreto da jornada ampliada sobre a saúde, mais coerente fica a tese de indisponibilidade.
Atacar a ausência de licença e de previsão expressa
Dois pontos práticos:
Demonstrar que não houve licença prévia, invertendo a discussão de ônus da prova quando a empresa alega regularidade e nada traz.
Sustentar que cláusulas genéricas de compensação não suprem a necessidade de previsão específica sobre insalubridade e dispensa de licença, antecipando um possível recorte do próprio IRR 149.
Se na sua inicial você só copia o art. 60 e cita Tema 1046 genericamente, está brigando de forma superficial.
Investir pesado em prova técnica e fática
Laudos de insalubridade detalhados, preferencialmente atuais e contextualizados;
Cartões de ponto, testemunhas e perícias que demonstrem jornada efetiva;
Narrativa de carga acumulada ao longo de anos, conectando jornada à evolução de quadros de saúde.
O IRR 149 não vai transformar processo mal instruído em tese vencedora. Se você estiver confiando na “tese mágica”, está perdendo o jogo na instrução.
Estratégias para o advogado empresarial
Ancorar a defesa no Tema 1046 e no art. 611-A, XIII
A ideia aqui é mostrar que:
A cláusula coletiva está dentro do espectro de adequação setorial negociada legitimado pelo STF;
Não há violação de direitos elencados no art. 611-B da CLT como absolutamente não negociáveis;
Há contrapartidas materiais relevantes (adicionais, benefícios, garantias específicas etc.).
Se a sua defesa se limita a “tem norma coletiva, logo é válido”, você está subutilizando a própria tese que tenta invocar.
Blindar a norma coletiva
Em termos práticos:
Buscar instrumentos com previsão clara de que:
se trata de ambiente insalubre;
há dispensa de licença prévia, com base no art. 611-A, XIII;
Documentar o processo de negociação (atas, trocas de proposta, estudos técnicos).
Isso não garante vitória, mas torna a norma mais defensável em qualquer cenário de decisão do IRR 149.
Atuação estratégica no próprio IRR 149
Para empresas com atuação setorial relevante, vale considerar:
Intervenções como amicus curiae por meio de entidades representativas;
Acompanhamento sistemático dos atos do TST sobre o Tema 149 na Tabela de Recursos Repetitivos e nos despachos correlatos.
Se o escritório não está olhando para esse incidente, está deixando que outros atores definam o precedente que vai cair na sua mesa daqui a pouco.
Como se preparar, desde já, para a tese que vier
Um caminho pragmático para o escritório trabalhista:
1. Mapear processos afetados
Levantar ações em curso em que a validade de norma coletiva sobre jornada insalubre seja questão central, tanto para reclamante quanto para reclamada.
2. Classificar por Turma / Região
Identificar:
qual Turma do TST pode vir a julgar o caso;
qual é hoje a tendência jurisprudencial dessa Turma quanto à combinação art. 60 + 611-A + Tema 1046.
Isso ajusta expectativa de risco e ajuda a calibrar acordo, prova e recursos.
3. Simular cenários
Trabalhar internamente com três hipóteses:
Prevalência ampla do negociado: IRR confirma validade da cláusula dispensando licença;
Prevalência da proteção: IRR reafirma a necessidade de licença e restringe a negociação;
Modelo misto: valida negociação, mas exige previsão expressa e/ou critérios adicionais.
Se você não está rodando esses cenários hoje, vai ser pego de surpresa quando a tese sair.
Conclusão: o pior lugar para estar é no piloto automático
O IRR 149 do TST não é um detalhe acadêmico. Ele vai mexer diretamente com:
teses de inicial, contestação e recursos;
desenho de normas coletivas;
cálculo de passivo em atividades insalubres.
Se você está tratando o Tema 1046 como senha universal para validar qualquer cláusula coletiva em jornada insalubre, está ignorando:
a divisão real das Turmas do TST;
o peso do art. 60 da CLT em decisões recentes;
o fato de que o Tema 149 ainda está em aberto.
O seu diferencial como advogado trabalhista aqui não é repetir a tese da moda, mas antecipar o desenho do precedente e já ajustar, hoje, a forma como você estrutura fatos, provas e pedidos.
Se você não fizer isso, alguém do outro lado vai fazer. E o precedente que sair do IRR 149 vai funcionar melhor para quem se preparou antes.


